terça-feira, 26 de agosto de 2014

Até Breve

Sobre um olhar tímido da lua e sobre um manto frio do orvalho da noite, lá estava ele, sozinho naquele escuro infernal onde o som das ondas debaixo dele faziam a banda sonora das primeiras lágrimas a escorrer o rosto. Aquela ponte que já muitos tiveram de passar para viajar para outras margens, aquela ponte centenária, onde cada rocha conta uma história diferente, hoje poderiam contar uma outra história.
Era de manhã, quando o sol com todo o seu esplendor, espreitou pelos cortinados do quarto. Aos pés da cama dormia, como era hábito, a roupa suja do dia anterior e o Kalu, aquele gato malhado, dorminhoco mas saudável que fazia da roupa a sua cama. Abriu os seus olhos verdes universo e num bocejo matinal, ao mesmo tempo que se espreguiçava, caminhava lentamente até as almofadas, onde o rosto do dono espreitava. Miando exigia o seu pequeno-almoço e depois de muitas voltas da cama lá o tirou da cama. O pequeno-almoço agora era apenas uma questão de tempo até estar servido. Depois do banho matinal, do primeiro cigarro e do primeiro café, ele saiu de casa como era hábito, mas hoje não iria trabalhar, apenas ia passear um pouco. Uma curta viagem até ao quiosque para comparar um maço de tabaco novo e o jornal com as notícias de ontem, como de costume ao sábado de manhã. Enquanto caminhava, sentiu a sua visão turva e então tirando os óculos e de uma maneira descontraída, como sempre, limpou quase sem jeito nenhum, no seu cascol enquanto continuava a andar. De repente, quase sem saber de onde, um encontrão. Uma pancada seca que o acordo como se de um terramoto se falasse, com o impacto os seus óculos caíram e sem se perceber ainda não tinha pedido desculpa quando instintivamente se baixou para apanhar os óculos. Nisto sentiu, sentiu-o nas mãos, aquilo que ele definiria por um beijo de uma nuvem, o toque suave de uma jovem senhora e com uma voz doce ouviu “peço desculpa, deixe estar que eu apanho os seus óculos”. Petrificado e sem saber como, começou a transpirar de frio e lentamente se erguendo, chorava por dentro por não conseguir ver o rosto de quem lhe limpava os óculos. Sentiu, mais uma vez, uma nuvem tocar lhe nas mãos mas desta vez com os seus preciosos únicos óculos nas mãos “aqui tem, mais uma vez peço desculpa” e sem receio essa mão o largou deixando apenas com alguns segundos de margem de manobra para rapidamente meter os óculos ao sitio para ver quem se afastava, e finalmente, com os óculos sobre o seu nariz olhou mas já era tarde demais. A nuvem tinha dissipado. Encontrava se sozinho, na mesma esquina antes de chegar ao quiosque, onde uns instantes antes sentiu um abalo tão grande que o acordou para a vida. Olhou em sua volta mas como iria ele reconhece-la? Em desespero olhou para o chão e não quis acreditar no que lá aos seus pés estava estendido e abandonado. Uma simples carta, um envelope aberto. Será que terá uma morada? Um nome? Ou talvez um número de telefone, nem que não seja alguma coisa, tem que ter informação preciosa para a encontrar. Bem, o jornal de ontem já não faz falta, há algo novo que tem de ser noticiado e é preciso procurá-lo, pensou ele. Apanhou o envelope e olhou para o seu interior e lá estava uma pequena carta. Retirando-a o seu coração começou a bater mais forte, será que vai dizer algo? Abriu-a e sim tinha algo escrito. Começou a ler aquele pequeno texto e subitamente, entre um sorriso e uma pequena lágrima, voltou a dobrar a carta e guardou-a seguindo um novo caminho, um caminho com um sonho. O seu caminho, levou-o até ao parque da cidade, onde esteve sentado durante horas a olhar para as árvores, a fumar os seus cigarros apreciando os cisnes no lago logo ao lado, belas criaturas. Ao longe ele observava as crianças a brincar no parque infantil e os seus progenitores que punham a conversa em dia, quer sobre o futebol, quer sobre as fraldas que estavam em promoção no mercado do fundo da rua. Seguiu caminhada, desta vez ate ao centro de dia da cidade e lá, foi visitar o seu avô que só tinha hábito de visitar ao domingo, mas hoje, era tudo diferente, era tudo novo a seus olhos. Depois de umas boas cartadas e de umas boas risotas olhou para o relógio e já era quase de noite, essa noite que ameaçava ser fria, e ele ficou inquieto quando deu por ela, acelerou o passou com um sonho nas mãos. Avenida fora, ouviu as músicas da lojas e sem parar foi até a ponte centenária. O seu coração palpitava e não parava quieto e de repente, quando estava a por o primeiro pé na ponte, o seu coração parou por um micro-segundo que parecia eterno. No centro da ponte, por cima daquelas águas calmas, estavam uma jovem, linda como um raio de sol e o vento beijava suavemente o seu cabelo. Aproximou-se, mas sem saber o que fazer, em silêncio, chegou se cada vez mais perto, tirou o envelope do bolso e com calma mas nervoso foi se aproximando cada vez mais. De repente, ela olhou para ele, e ele sentiu o que era ficar de frente com a mitológica Medusa, com os olhos tão penetrantes e belos, onde a íris era verde como a copa de uma árvore na primavera e um leve toque de castanho fazia o desenho de um tronco. Ela olhou para ele e pelo meio do seu cabelo dourado ela olhou discretamente para a mão dele e disse sorrindo “vejo que encontrou a minha carta”, ainda sem saber o que dizer ele apenas esticou a mão com a carta, hipnotizado com o olhar dela. Ela esticou a sua mão e mais uma vez, ele sentiu uma nuvem a pousar lhe nas mãos e sem saber de onde, sem que ninguém o soubesse prever, ela o beijou nos lábios. Planetas alinharam-se na sua mente, céus abriram se num clarão de sonho, e todo tipo de cores surgiu numa visão de universo e galáxias, “que o tempo pare, que o tempo pare” era a única coisa que ele pensava, mas o tempo não pára e aquele simples segundo, terminou. Ela afastou-se dele e disse-lhe “até breve” e virando-lhe as costas, sumiu no meio do nevoeiro que se tinha levantado. Assim ele ficou, sozinho, numa ponte centenária, onde a chuva começava a querer banhar mais o seu rosto que as suas lágrimas, onde o frio climático tomava conta do seu coração, apenas ele e uma carta na mão. O que dizia a carta? A carta dizia:


“Hoje é o meu último dia, deixarei este mundo. Mas antes disso, quero sentir. Sentir a natureza que me viu crescer, as árvores todas do nosso parque, os cisnes que sempre alimentei desde de criança, ouvir as crianças a rir-se lá no fundo quando a mim só me apetece chorar. Quero sentir as rugas daqueles que ficam depois de eu partir, quero sentir as músicas das nossas ruas nos meus ouvidos e sonhar com elas uma última vez. Se deixo algum último desejo? Sim, quero beijar por uma última vez. Quero sentir o amor, a paixão e o desejo por um último segundo, depois quero sumir como uma nuvem. Brevemente.”