domingo, 20 de março de 2011
Conta-me uma história - |V
quinta-feira, 10 de março de 2011
Conta-me uma história - |||
Andaram durante pouco mais de uma hora. Caminharam pelas ruas, pelas flores que as floristas estavam a vender logo pela manhã, pelos aromas que aquelas esplanadas traziam, umas a tabaco, outras ao café após almoço e em algumas ainda o almoço na mesa estava. Afonso não largava a mão dela como ela não largava o braço dele… Ao longe faziam confusão a algumas pessoas, mas eles não queriam saber, o mundo era deles, o pequeno mundo que se estava a criar. O prédio do Afonso era no centro da cidade, numa zona bastante calma, apenas com alguns vizinhos que já se lamentavam não ter mais gatos para alimentar e que apenas queriam contar histórias aos seus netos. Quando se abriu a porta da casa dele, ela tremeu pela segunda vez desde de que se viram pela primeira vez, automaticamente, Afonso pergunta-lhe baixinho, como se não quisesse acordar ninguém, “Estas bem?” ao que ela só acenou que sim. Encaminhou-a para a sala e disse-lhe para esperar ali pois ele ia preparar a casa de banho para ela para ela tomar um duche e que já voltava. Tranquilamente ele aproximou-se dela e beijou-a na testa ao que ela suspirou e depois de sorrir deixou-a na sala.
A sala dele era bastante simples: alguns livros nas estantes, onde se lia livros de poesias, de prosas, de arte e um de desporto. Na prateleira debaixo tinha alguns cd’s, vinis e até uns dvd’s. No centro da sala, uma mesa de luz deixava mostrar o mais recente desenho dele: Uma mulher abraçada a um lobo. Ela de olhos fechados e o lobo sério olhava para quem estava a ver a pintura, fazendo com que ela se sentisse com receio de olhar para a mulher. Quando se encostou ao sofá, sentiu algo a mexer-se debaixo do cobertor que lá estava. Assustou-se e com o susto saltou um gato debaixo do cobertor deixando-a colada ao chão. Com o grito dela, Afonso veio a correr e vendo o que se estava a passar, começou a rir-se como um perdido. Ela corada disse lhe em tom de ordem “Onde esta a piada?!” Contendo-se para não rir, embora um sorriso tivesse surgido, disse-lhe “É apenas o meu gato” dizendo isto dirigiu-se ao gato, pegando nele acrescentou, “É a minha única companhia nesta casa”. É aqui que ela olha para o Afonso pela primeira vez com olhos de admiração e se apercebe o quanto lindo era a flor da idade daquele rapaz que ali estava. Voltou a olhar em volta e apercebeu-se de uma guitarra e até de um violino, e vendo aquilo, perguntou “Sabes tocar violino?”. A reacção dele foi de espanto, quase como ele já nem se lembra-se que tinha lá aquele instrumento. Respondeu em tom de tristeza ou até de lembrança “Isso tinha significado a um tempo atrás… agora já não faz sentido” e logo depois olhou para ela “Bem, tens a casa de banho toda para ti, esta a tua vontade”.
Deitada na banheira, enquanto o incenso lhe percorria os pulmões, ela fechou os olhos e sonhou. Sonhou com os dias de criança em que brincava com a sua irmã as escondidas e que ela era sempre apanhada “Apanhei-te Clara! Agora és tu!”. Clara, nome escolhido pela mãe e concordado pela madrinha. A mãe como grande devota a Francisco de Assis, quis dar o nome a uma das filhas como era o nome da companheira deste santo e do mesmo modo a madrinha se lembrava da parábola do lobo. Durante o sonho, ela esta no quarto e começa a ouvir um violino. A melodia era tão linda que fez com que a Lua sorri-se no meio da noite e que as árvores dançassem, e de repente, num sobressalto, ela acorda numa banheira, onde o incenso já não tinha mais por onde arder e apercebeu-se que o violino não era um sonho, mas sim o Afonso a tocar. Saiu da casa de banho assim como o mundo a viu nascer e ali estava ele: no meio da sala de costas voltadas para ela com o violino nas mãos. Nas suas costas estava tatuada uma pena envolta em chamas e o cabelo dele estava solto. Devagar, ela aproximou-se dele, encostou-se a ele, ao que ele responde, “Estas bem? Precisas de alguma coisa?” Ao que ela fechando os olhos lhe disse “Sim, preciso de ti” No escuro, beijaram-se e mesmo ali no sofá se deitaram até o nascer da manhã seguinte.