sábado, 6 de setembro de 2014

Café Orquídea I

Era somente mais um dia chuvoso, típico naquela altura do ano, ainda o Inverno mal tinha começado e já toda a gente se queixava do mau tempo. Pelas ruas daquela cidade romana, muitos guarda-chuvas se cruzavam, seriam poucos os que não estivessem também a usar sobretudos e cascóis para proteger do frio. Conseguia-se ouvir uns miúdos a brincar numa poça de água e ao mesmo tempo ouvia-se as respectivas progenitoras a dizer para sair da chuva. Tal era o meu plano também. Que eu tivesse percebido, eu era o único que não tinha saído com guarda-chuva de manhã, manias de quem está naquela idade em que nunca ficamos doentes, ou pelo menos pensamos que assim o é. O meu padrasto bem tinha aconselhado, mas o quero lá saber dos conselhos dele para alguma coisa, enfim, no entanto cá estou eu a tentar encontrar um sítio para me abrigar um pouco, embora já esteja completamente encharcado. Abriguei-me debaixo de um tolde de uma florista, simpática a mulher, mas nunca falei muito com ela, simplesmente um sorriso e uma leve vénia como quem diz “vou me só abrigar aqui um pouco e já me vou embora” e ela assim concordou sem dizer uma palavra. Ficou então um silêncio estranho, enquanto só ouvia a chuva a cair e apreciava as pessoas a passar. Olhei ao meu lado e reparei na minha bolsa, bolas, tinha me completamente esquecido que trazia a minha bolsa comigo. Abri a bolsa para ver como estavam os cadernos e nisto apercebo me de um guarda-chuva vermelho a vir em minha direcção. Desviei-me um pouco mas sem fazer algum tipo de som, continuei a verificar o estado dos meus cadernos, é então que a pessoa do guarda-chuva vermelho fechando-o aproxima-se da florista.
                - Bom dia dona Luísa, mas que tempo para vender flores.
                - Bom dia menina, não me diga nada, ninguém quer andar com flores e com o guarda-chuva na mão. E então o que vai desejar hoje menina?
                Por curiosidade olhei para o balcão e a dona Luísa sorria como se tivesse visto o mais belo raio de sol daquele dia chuvoso e em frente dela, uma elegante senhora olhava para todas as flores. O cabelo era curto mas arranjado, trazia um perfume que deixou sem dúvida grande parte das flores com inveja. Sempre com um leve sorriso no rosto, olhava em sua volta e de repente olhou para mim, o seu rosto estava rosado, um rosa que combinava na perfeição com os seus lábios vermelhos. Os olhos eram verdes, não, castanhos com um verde bastante subtil a surgir na íris, hipnotizantes e sem que eu pudesse reagir voltou a olhar para a dona Luísa.
                - O costume, mas hoje, sinto que têm de ser brancas dona. – e com um leve suspiro ela foi a mala dela para tirar a carteira.
                - Umas orquídeas brancas então. Você realmente adora estas flores, dê-me só uns cinco minutos para preparar o ramo.
                - Não é necessário dona, acredite, não me posso demorar. – e dizendo isto entregou o dinheiro a florista e sem que tivessem passado os cinco minutos, já o ramo estava pronto. Deu-se a troca entre as duas senhoras e o troco estava confirmado e já na carteira.
                - Obrigado dona Luísa, até amanhã então.
                - Até amanhã menina e não se esqueça do guarda-chuva.
                - Não me esquecia dele num dia destes. – e então pegou no guarda-chuva. Nesse mesmo segundo, uma das orquídeas caiu e eu instintivamente baixei-me para a apanhar. Não tive voz para falar, senti-me um ser de outro mundo, não conseguia dizer o que quer que fosse e quando me levantei já ela tinha desaparecido no meio da multidão. Fiquei eu ali, a olhar ainda por uns meros segundos a ver se encontrava aquele guarda-chuva vermelho, mas em vão. Nisto sou surpreendido com a voz da dona Luísa:
                - E então rapaz? Perdeu alguma coisa? – dizia isto sorrindo e com os olhos cerrados.
                - Bem, eu não, mas a menina que ainda agora aqui estava deixou cair uma das flores, talvez seja melhor você ficar com ela. – e dizendo isto, estiquei o braço com a flor na direcção da florista mas ela acenou negativamente com a cabeça.
                - Não vou ficar com a flor jovem, guarda-a tu. Aceita, ela já esta paga e já. Talvez te alegre o dia.
                Hesitei por uns segundos, mas dei-me como vencido e guardei a flor junto ao peito. Ela continuou:
                - As orquídeas são flores sensíveis e belas, bem, isso todas as flores o são, mas há algo nas orquídeas que eu não sei explicar, sinto que são mágicas.
                - Mágicas? Bem, sou um pouco descrente quanto a isso, mas tenho de concordar que são umas flores lindas, um belo exemplar sem dúvida. Vou ver se não apanho outra molha até chegar a casa, queria era antes tomar um café e fumar um cigarro descansado.
                - Então segue esta ruazinha jovem, tens um café simpático aqui ao lado. Pode-se fumar lá dentro e tudo, podes ter a certeza que vais gostar. – sem mais demoras ela apontou a direcção enquanto o dizia e quase como um cão bem treinado, lá fui na mesma direcção agradecendo. Só quando já estava na rua no meio da multidão e com a chuva ainda a cair-me pelo rosto abaixo é que pensei “mas porque raio estou eu a ir para onde a velhota me mandou? Eu não estou bem, só pode ser da chuva” e sem ter dado por ela, lá estava eu em frente ao cafézinho. Pareceu-me acolhedor do lado de fora, desconhecia de facto aquele sítio e por curiosidade dei dois passos para trás para ver o nome do café, mas não tinha nenhum letreiro a entrada. Não estava para apanhar mais chuva e então entrei.
                Estava uma temperatura convidativa dentro daquele café, que mais parecia um salão de chá pensando bem. A entrada estava apenas um guarda-chuva e lá dentro não via uma alma viva, estaria fechado pensei eu no entanto a porta estava aberta. Procurei um lugar perto da janela para puder fumar um cigarro e comecei a olhar para a rua que tinha acabado de deixar. Pousei a orquídea na mesa e tentei aquecer um pouco as mãos com o meu bafo. A música era um jazz bastante agradável, eu reconhecia-o mas fiquei na dúvida do nome do artista, no entanto comecei a ouvir o som de uns tacões por cima da música e uma voz familiar cumprimenta-me:
                - Bem-vindo ao Orquídea, estou a ver que a dona Luísa lhe disse onde eu trabalhava.
Sem pensar e com um movimento muito a medo olhei para o rosto de quem me atendia. Aquela olhar hipnotizante e aquele rosto rosado voltavam a estar virados para mim, aqueles lábios vermelhos desenhando um sorriso, um sorriso pelo qual fiquei sem palavras a uns minutos atrás estavam ali, eu nem queria acreditar. Eu devia estar com cara de parvo e todo encharcado pois num subtil momento aquela senhora voltou a dirigir-me a palavra sem que eu ainda não tivesse aberto a boca:
                -Talvez uma toalha e um café para começar. Eu volto já. – dito isto voltou-me as costas e dirigiu-se ao balcão. Do fundo do meu estômago e sem eu saber como, abri a boca e disse:
                - Desculpe, mas como é que se chama? – mas porque raio haveria eu dizer aquilo? Fiquei corado e envergonhado, o que será que ela estaria a pensar de mim agora? Nem um obrigado sequer. É então que ela se voltou a virar e desta vez conseguia ver o seu corpo todo e com as mãos unidas por detrás das costas e com um leve sorriso cerrando os olhos respondeu-me:

                - Sou Catarina, Catarina Vanessa mas podes tratar-me por Katness se assim o desejares. 

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