Aquele bairro, sempre foi monótono, calmo e acima de tudo sincero em cheiros: a vizinha do terceiro andar tinha sempre aquelas rosas que faziam lembrar a vinda das andorinhas na primavera, ou então o vizinho do primeiro, que ao fim de semana porque lá tinha os pais a visitá-lo fazia sempre umas sardinhadas que lembrava os santos populares. A padaria da frente sempre logo de manhã a dar-nos os que de melhor a terra nos podia dar: o maravilhoso cheiro a pão quente, que só de o cheirar dava vontade de ver a manteiga a derreter e de sentir ele a estalar mal que o tentasse abrir. O carrinho da peixeira que com o seu sorriso enchia a barriga dos gatos e com o seu diz que não disse enchia os mexericos das freguesas, há muito pouco falavam elas do peixe fresco dessa manhã, dava a sensação que o pescador vinha com o barco atrás da velhota. Simplesmente sentia-se o cheiro de todo o bairro na minha janela, e eu só partilhava o cheiro do tabaco já vencido pela chama. Porém, esta noite tive um sonho estranho, e acordei a meio dele para escrever algo, mas pouco mais me saia da cabeça os cheiros daquele bairro… eu não entendia o que se passava, até que pela frustração peguei na minha guitarra, acompanhante de tantas viagens, e para a varanda fui dar um suave toque de guitarra… Foi aí que eu percebi o que me perturbava o sono… O som da minha guitarra acompanhava o contra-baixo do padeiro que porque esperava que o pão estivesse a cozer, tirou uns minutos para treinar, nós os dois, acompanhamos a flauta do primeiro que não praticava durante o dia pois chateava o vizinho do quinto que é segurança nocturno. O piano da vizinha das rosas estava simplesmente lindo a acompanhar o violino do marido da peixeira, que esta noite estava com as castanhas na brasa. No meio da noite tínhamos a mais bela sinfonia.
quarta-feira, 24 de novembro de 2010
segunda-feira, 23 de agosto de 2010
"Uma Longa Viagem..."
sábado, 22 de maio de 2010
Um episódio meu
terça-feira, 4 de maio de 2010
A primeira e última carta
terça-feira, 2 de março de 2010
Carta para a minha filha
Naquela bela praia, ela esperava-o, como uma pobre que espera o regresso do marido que foi a conquista dos mares, e no meio do nada, surge ele.
Um beijo na face, com um abraço, foi o suficiente para ele entender que algo não estava certo.
Num acto de arrogância e medo, procurou por algum sinal do namorado dela, não fosse ela ter ficado a mesma pessoa, mas ela respondeu: "Estou só, não está cá ninguém." Sentaram-se no areal e ela chorou, e ele não percebeu a origem dessas lágrimas, é então que ela responde a pergunta mental dele:
"Estive grávida e tive de abortar." Ele ficou pálido e frio, sem saber em que pensar ou no que dizer, mas ela disse logo de seguida:"Por favor, escreve um texto em memória da minha criança."
Ele olhou-lhe nos olhos, olhou o oceano, mas que lindo dia e que calmo oceano, e depois fechou os olhos e beijou-a. Logo após, sem uma palavra, nem sim nem não ele foi se embora. Foram noites de tortura, de ódio e de choro, "aquela criança podia ser minha! Se fosse comigo não abortava!" Chegou mesmo a pensar: " Se ela me tivesse contado, eu tinha assumido a criança como minha!"
Ao fim de várias noites em branco, decidiu sentar-se num parque onde estava só, quando viu surgir do nada, uma criança. Uma bela menina que brincava sozinha e puxando pela coragem falou-lhe e perguntou:" Olá linda. Como te chamas?" Ela respondeu: "Lara, Lara Isabel" "E porque brincas sozinha?" Ao que ela respondeu: "Não tenho pais nem irmãos. Mas sou feliz." E sorriu. Ele sentido, perguntou se podia brincar com ela ao que ela respondeu com um sorriso ainda maior "Sim!"
Nessa noite ele escreveu a seguinte carta:
"Antes de mais, parabéns por teres existido. Criança que nasce é criança que sonha, e com o sonho somos imortais. Bastou-te sonhar uma vez e jamais morrerás. Infelizmente deixas-te nos cedo, e infelizmente não te vimos sorrir, mas sabemos que foste feliz.
Hoje vi uma criança que de certeza serias mais bela que ela minha filha: bela, educada e sorridente. Certamente foste mais inteligente que nós todos juntos, pois soubeste respirar nas trevas que envolviam mas isso não te impediu de existires.
Escrevo-te esta carta, para que saibas que não foste esquecida, para que saibas que foste amada por mim, pela tua mãe, para que saibas que nunca morrerás.
Adoramos-te filha"
Enviou esta carta para a sua ex-namorada ao que não obteve resposta até ao dia de hoje, mas ele, assumiu a paternidade da pequena Lara Isabel e hoje, são uma família feliz.
quinta-feira, 14 de janeiro de 2010
Nevoeiro de Natal
O jantar na mesa, nunca a mesa estivera tão rica como naquela noite, uma noite tal igual a tantas, mas naquela noite havia algo diferente, algo que apenas se repete uma vez por ano e é de dia.
A familia juntou-se toda outra vez, todos aquecidos pela lareira, chamas vivas que aqueceram o corpo e a alma de todos... Ou será melhor dizer, quase todos. Sebastião não era amante da época natalícia, desprezava-a de uma maneira fria, mais fria que a noite que se fazia a porta de casa. Não tinha um amor a época do amor e naquela noite, apenas foi para respeito da avó que se encontrava acamada. O pensamento dele era simples: Já perdi uma avó, não quero perder a outra também. E enquanto todos se reuniam na sala, junto da lareira, da televisão e até junto do cão, ele estava no quarto com a avó, que lhe contava outra vez a história do carvão que se oferecia naquelas alturas. "Era a melhor prenda, sempre dava para aquecer a noite" dizia ela sempre a sorrir. Na verdade ela só sorria na presença dele, pois todos diziam o mesmo "Está sempre triste", "Nunca quer nada e para comer é preciso obriga-la".
Sebastião era uma espécie de esperança para a avó dele. Ela olhava para ele não como um neto, ou afilhado, mas sim como um anjo ou outra coisa parecida enviada por esse ser divino superior a que ela chamava Deus, para lhe alegrar aquela noite que devia de ser de alegria. Mas aquela noite prometia ser diferente, havia algo novo nela, algo que até a altura nunca tinha acontecido. O jovem neto, no fim da bela história sorriu e disse :"Avó, esta na hora de irmos. Temos de ir". A avó não entendera a perguntou, "Ir onde filho? É noite de Natal, é aqui que devemos estar". Sebastião respondeu-lhe: "Não é aqui, alguém nos espera. Vamos". Levantando-se, pegou na sua avó, cobriu-a e levou-a na sua cadeira de rodas. Abriu a porta de serviço e saíram.
Era meia-noite quando vieram chama-los ao quarto mas ninguem estava lá. Nem Sebastião nem avó, nem ninguém. Apenas uma carta que tinha uma pena em cima. A carta tinha sido escrita com essa mesma pena e dizia:
Querida Familia
A avó está comigo, partimos esta noite para o nevoeiro que se ergueu. Quando for altura oportuna regressaremos.
Não vos preocupeis, esta era a prenda de Natal que há muito prometi a avó, voltar a ver o avô.
Obrigado a todos.
Sebastião
Quando leram a carta não quiseram acreditar. É então que entra o pai de Sebastião na sala com uma noticia triste:
-O Sebastião morreu a uma hora no hospital de cancro no estômago.
-Não é possível! Então quem jantou cá?