Aquele bairro, sempre foi monótono, calmo e acima de tudo sincero em cheiros: a vizinha do terceiro andar tinha sempre aquelas rosas que faziam lembrar a vinda das andorinhas na primavera, ou então o vizinho do primeiro, que ao fim de semana porque lá tinha os pais a visitá-lo fazia sempre umas sardinhadas que lembrava os santos populares. A padaria da frente sempre logo de manhã a dar-nos os que de melhor a terra nos podia dar: o maravilhoso cheiro a pão quente, que só de o cheirar dava vontade de ver a manteiga a derreter e de sentir ele a estalar mal que o tentasse abrir. O carrinho da peixeira que com o seu sorriso enchia a barriga dos gatos e com o seu diz que não disse enchia os mexericos das freguesas, há muito pouco falavam elas do peixe fresco dessa manhã, dava a sensação que o pescador vinha com o barco atrás da velhota. Simplesmente sentia-se o cheiro de todo o bairro na minha janela, e eu só partilhava o cheiro do tabaco já vencido pela chama. Porém, esta noite tive um sonho estranho, e acordei a meio dele para escrever algo, mas pouco mais me saia da cabeça os cheiros daquele bairro… eu não entendia o que se passava, até que pela frustração peguei na minha guitarra, acompanhante de tantas viagens, e para a varanda fui dar um suave toque de guitarra… Foi aí que eu percebi o que me perturbava o sono… O som da minha guitarra acompanhava o contra-baixo do padeiro que porque esperava que o pão estivesse a cozer, tirou uns minutos para treinar, nós os dois, acompanhamos a flauta do primeiro que não praticava durante o dia pois chateava o vizinho do quinto que é segurança nocturno. O piano da vizinha das rosas estava simplesmente lindo a acompanhar o violino do marido da peixeira, que esta noite estava com as castanhas na brasa. No meio da noite tínhamos a mais bela sinfonia.
Por entre recordações e memórias
Há 10 anos
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