Fazia aquela viagem todos os dias, sempre a mesma hora e por vezes sempre com as mesmas pessoas. Afonso, tinha sair do Porto para viajar até Braga para puder ir trabalhar e grande parte das vezes viajava de olhos fechados, numa tentativa de descansar. Nesse dia, mesmo que quisesse, não ia conseguir dormir no comboio. Num dos apeadeiros entrou uma mulher que apenas a sua presença inquietou muita gente naquela carruagem: com uns sapatos, onde um deles não tinha atacadores, as meias rasgadas na zona do joelho mas mal se via devido ao vestido que trazia, bem, vestido esse que teria visto melhores dias pois vinha bastante desgastado. Por cima do vestido, era apenas uma blusa, mas essa sim, linda toda ela trabalhada em pormenores nas mangas, golas e até os botões. O lenço que trazia, não lhe aquecia muito, tal como o gorro e as luvas. De cabeça tombada a olhar para o chão ela mal que entra encosta-se no canto da carruagem e lá fica de pé. Ele não deixa de conseguir de olhar para ela e reparar em todos estes pormenores, tal como não consegue deixar de reparar outros passageiros e nas atitudes tomadas com a entrada da sem abrigo: o senhor sentado no banco do lado direito pegou na mal que tinha no chão e num gesto de desculpa pegou nela, colocou ao lado dele e de lá tirou o jornal, fingindo que lia e deixando esse lugar ocupado com a sua bagagem; a mulher em frente dele, pegou no casaco e cobriu o lugar também; uma jovem, provavelmente da mesma idade da saem abrigo, colocou os auriculares e os óculos de sol e fingiu não a ter visto a entrar e o namorado, bem, esse fechou os olhos e fingiu um cansaço de modo a deitar se e ocupando dois lugares. Afonso não conseguiu de deixar de reparar nesses pequenos movimentos e começou a sentir-se péssimo. Mal que arrancou o comboio, o revisor surge pelas costas de Afonso e vai picar o cartão de uma senhora. É aqui que ele se lembra de tomar atitude: Levantou-se e dirigiu-se para junto da sem abrigo. Ela sentiu a sua presença e começou a tremer como se estivesse a prever algum discurso, mas ele apenas lhe disse: "quer se sentar ao meu lado?" Naquele momento, a rapariga deixou de respirar e olhou para ele: Afonso sorria com uma ar tão feliz e simpático como sempre era costume dele e ela, com os lindos olhos azuis quase em lágrima responde "muito obrigado senhor". Muito lentamente ela caminhou, sempre de cabeça baixa até ao lugar que Afonso lhe indicara, sentou-se e logo depois foi ele ao lado dela. Enchendo os pulmões com coragem ele pergunta ao ouvido dela em jeito de segredo "Não fales, abana só com a cabeça. Tens dinheiro para a viagem?", e ela dá uma resposta negativa, algo que Afonso já estaria a contar. O revisor chega ao pé deles e reparando nela, diz "Bom dia Senhor, o seu bilhete?" "Aqui esta... e já agora queria comprar outro para a minha amiga". Algo inesperado acontece, todas as pessoas olham para esta cena inclusive a sem abrigo ao que o revisor responde "Jovem, o preço no comboio é o dobro que nas estações..." " sim eu sei, não me importo". O bilhete é tirado e a rapariga guardou-o junto ao peito durante mais de meia hora e chorava, Afonso não tinha coragem de lhe perguntar se estaria bem ou não. O comboio chegou a Braga onde ela é a última a sair do comboio, e no momento em que sai do comboio, ainda de cabeça baixa, ouve a voz do Afonso "Não te esqueças de levantar a cabeça. És linda demais para ser só o chão a ver o teu rosto." Ela vira as costas e lã estava ele a sorrir para ela. Em lágrimas ela corre junto dele e abraça-o dizendo "obrigado pelo que fez por mim. O meu nome é Joana e tenho de lhe agradecer por isto tudo." "Não precisas de agradecer, apenas te quero pedir um favor" Ela sorriu pela primeira vez em toda a viagem "peça tudo, eu farei isso" Afonso olhou para ela, tornou-se muito serio e de repente disse lhe nos olhos com apenas um sorriso "vem tomar o pequeno-almoço comigo e conta-me a tua historia". Juntos no café mais próximo da estação falaram durante horas...
Texto escrito para o blog Fábrica de Letras
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